O Princípio da Boa Administração e o Controlo Jurisdicional
Índíce:
I) Apresentação e consagração legal do Princípio da Boa Admnistração
II) A natureza, o valor e o controlo jurisdicional deste princípio-o conflito entre a separação de poderes e a garantia da esfera de poder administrativa
III) Conclusão
IV) Fontes
I) Apresentação e consagração legal do Princípio da Boa Admnistração
Legalmente previsto no artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo, o princípio da Boa Admnistração é um dos traços inovadores da reforma de 2015. Esta inovação veio consubstanciar uma exigência há muito querida para a melhor prossecução do interesse público, indissociavél do princípio em análise, e proteção das posições juridicas subjetivas dos particulares.
Porém, esta consagração legal do princípio da boa administração não surge de forma assim tão inesperada nem tão pouco independente. O Direito Comunitário já agourava a inscrição deste princípio no ordenamento jurídico dos Estados-membros da União quando no artigo 41º/ nº1 da Carta dos Direitos Fundamentais1 previa: “Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.”
Todavia, as influências deste preceito não se cingem ao Direito Comunitário, também o direito italiano teve a sua quota neste princípio, que exige uma atuação administrativa pautada “… por critérios de eficiência, economicidade e celeridade” (5º/1), isto é, a administração deve atuar de forma o mais eficiente possível quando procura satisfazer o interesse público e essa eficiência passa pela razoablidade do prazo e, sobretudo, pela potencialização dos seus recursos, visando a resolução mais adequada perante as escolhas que tem à sua disposição.
1 Doravante designada CDFUE, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12016P/TXT&from=FR
De forma clara e sintética é possível dizer que a boa administração é a criação de condições que permitam a tomada de decisões conformes aos princípios basilares da Administração Pública, dispendendo apenas os recursos necessários, como nos explica o Professor Mário Aroso “o que importa é assegurar que a decisão (da administração) é produzida no respeito pelos princípios jurídicos que potenciem a tomada de boas decisões e, portanto, promovem a prossecução de uma boa administração”2 .
Como já foi dito supra a integração deste princípio no CPA não foi inesperada, não só pelas influências já referidas que o ordenamento nacional absorveu, mas também pela sua breve referência no CPA antigo (artigo 10º). A diferença monumental entre a consagração expressa deste princípio e a sua enunciação parcial no antigo CPA é a eficácia externa, já que atualmente constitui um dever de conduta da Administração. Ora, de modo a melhor explicar o raciocínio acima vide o Professor Aroso de Almeida, a propósito do papel da eficiência no novo CPA, definindo-a como “uma exigência que se impõe no próprio plano jurídico; e que não se impõe apenas, nem principalmente, ao legislador, como pressupunha o artigo 10º do CPA anterior à revisão de 2015”3.
2 Mário Aroso de almeida Teoria geral do direito administrativo: o novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed, p.65
3 Mário Aroso de almeida Teoria geral do direito administrativo: o novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed, p.57
II) A natureza, o valor e o controlo jurisdicional deste princípio-o conflito entre a separação de poderes e a garantia da esfera de poder administrativa
Nesta senda, importa agora analisar uma questão controvertida na doutrina: a natureza, o valor e o controlo jurisdicional deste princípio, em especial o conflito entre a separação de poderes e a garantia da esfera de poder administrativa.
O Professor Freitas do Amaral define o dever de boa administração como um dever jurídico, mas suis generis já que a sua invocação não é motivo de anulação de um ato administrativo, ou seja a violação deste dever não implica uma sanção do ponto de vista jurídico, tornando-o num dever incompleto. Seguindo a linha de pensamento do Professor Freitas do Amaral, a compreensão desta questão chama à colação dois conceitos distintos: juridicidade e justiciabilidade. Estes dois conceitos são importantes de perceber e disitnguir para explicar que o dever de boa administração enquanto dever jurídico incompleto não tem justiciabilidade, já que não se prevê um controlo jurisdicional, mas esse facto não lhe retira juridicidade.
A sua juridicidade e invólucro de dever jurídico refletem-se, por exemplo, na possibilidade da impugnação administrativa, na qual podem os particulares enunciar vícios de mérito.
Ademais acrescenta-se que em sede de responsabilidade para aferir culpa e limitar a responsabilidade do agente administrativo ou da Administração a diligência e zelo empregues na conduta administrativa são utilizados para “temperar” a imputação da responsabilidade. A densificação do conceito de “eficiência” no exercício da boa administração poderia afetar o controlo jurisdicional da atividade administrativa , mas desta vez fiscalizando a operatividade de outros princípios, como o da proporcionalidade, ex vit artigo 7º CPA.
Destarte importa perguntar: Afinal podem ou não os tribunais invalidar um ato da Administração pela sua ineficência?
De acordo com a doutrina tradicional, onde se inserem os Professores Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, não porque constituiria uma incursão na esfera de mérito que não está sob a sua alçada e portanto atentaria contra outro pilar do direito administrativo e do Estado de Direito, a separação de poderes.
Contrariamente, há doutrina que defende a possibilidade dos tribunais utilizarem a falta de eficiência para tornar ineficaz o ato administrativo. Este setor da doutrina alega que o princípio da eficiência é um critério balizante da discricionariedade na decisão administrativa, como todos os outros e como tal deve possuir o nível de eficácia e vinculação que esses. Logo, os tribunais administrativos podem julgar inválido o ato que se apresente desconforme a este princípio.
Esta fação da doutrina alega também que improcedência do seu entendimento pode mesmo impedir a prossecução plena do interesse público.
Após o confronto dos entendimentos supra, optei por alinhar-me à tese tradicional defendida pelos professores Aroso de Almeida, Freitas do Amaral,..Esta escolha baseou-se essencialmente na recusa de uma visão que se me afigura incompatível: a possibilidade de o controlo jurisdicional de ações com fundamento na violação deste princípio coexistir com a perspetiva da boa administração enquanto uma área de mérito. Desta forma, a visão tradicional permitindo a coexistência das perspetivas enunciadas acima parece-me a mais correta.
III) Conclusão
Em suma, a definição deste novo princípio reflete uma preocupação legislativa em conjugar a atuação da administração e a sua missão de prosseguir o interesse público, crontrabalançando as duas medidas para melhor satisfazer as necessidades dos cidadãos. Nesta balança a competência, a brevidade e a rentabilização são um trio preponderante na aferição da boa administração e no âmbito garantístico dos particulares.
IV) Fontes:
• AROSO DE ALMEIDA, Mário, Teoria geral do direito administrativo: o novo regime do Código do Procedimento Administrativo
• DE SOUSA, Marcelo Rebelo; DE MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral: Introdução e princípios fundamentais. Tomo I;
• DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito administrativo – volume II;
• Apontamentos das aulas teóricas e práticas;
• https://eur-lex.europa.eu/legal content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12016P/TXT&from=FR
Maria Beatriz Caniço, nº 63042
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