A (in?)compatibilidade dos artigos constitucionais - 182º e 267º

 

     A (in?)compatibilidade dos artigos constitucionais - 182º e 267º

                                                Bruna Catarina Jesus dos Santos



 


ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO

a)     exposição do propósito do post observação do consagrado no artigo 182º da CRP e 267º/3, e o porquê da discussão sobre a sua possível associação.


II. DESENVOLVIMENTO

b)     análise do artigo 182º da CRP – Governo como órgão superior da Administração Pública.

c)     análise do artigo 267º da CRP – conceito de entidades administrativas independentes.

d)     desenvolvimento de um eventual desvio do princípio da responsabilidade governamental pela Administração Pública – entendimentos doutrinais.


III. CONCLUSÃO

e)     posição adotada e fundamentada – resposta pessoal à discussão.

IV. BIBLIOGRAFIA E WEBGRAFIA

 

 

I.                 INTRODUÇÃO

a) exposição do propósito do post – observação do consagrado no artigo 182º da CRP e 267º/3, e o porquê da discussão sobre a sua possível associação.

   A ratio do meu post consiste no facto da permissão constitucional consentida no artigo 267º da CRP, especificamente no seu número três, legitimar a criação, por parte do legislador, de entidades administrativas independentes. Tal poderá entrar em colisão com a consideração do Governo como órgão superior da administração pública, estabelecida no artigo 182º da CRP, no que respeita aos poderes que este exerce sobre a administração.


II.               DESENVOLVIMENTO

b) análise do artigo 182º da CRP – Governo como órgão superior da Administração Pública.

   Observando o disposto no artigo 182º da CRP, este determina que «o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública».
   O preceito constitucional em análise deve ser interpretado considerando que Governo é o órgão superior da administração pública estadual, compreendendo apenas a administração direta e indireta, que se diferenciam na forma como prosseguem os fins do Estado – a administração direta dispõe de serviços integrados na pessoa coletiva Estado, como os ministérios e direções-gerais, enquanto que à administração indireta se associam pessoas coletivas públicas diferentes do Estado, por exemplo o Instituto Português do Desporto.
   Isto porque, relativamente à administração regional e local, a primeira incorpora governos regionais e a segunda detém órgãos autárquicos (sendo que a tutela do Governo da República é apenas de legalidade nos termos do artigo 242º da CRP).  Por sua vez, a administração independente engloba entidades administrativas independentes que asseguram a prossecução de tarefas administrativas de encargo do Estado sem qualquer sujeição a poderes de direção, superintendência ou tutela – daí a sua independência.

 

c) análise do artigo 267º da CRP – conceito de entidades administrativas independentes.

   O artigo 267º da CRP, em concreto no seu número três, estipula que «a lei pode criar entidades administrativas independentes». 
   Aprofundando este conceito, acima abordado, estão em causa entidades públicas que prosseguem interesses coletivos, atuando em ‘’áreas sensíveis’’ da sociedade. Surgem devido à necessidade de regular setores sensíveis sociais, cujas funções se podem resumir a duas:  defesa e proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a regulação de mercados.
Tal explica a sua independência – não estão sujeitas a ordens ou instruções por parte do Governo – uma vez que só desta forma (havendo um distanciamento em relação ao executivo) se pode assegurar a imparcialidade fundamental.
   Contudo, existem limites relativos ao seu processo de criação, que estão consagrados na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (subtipo de entidades administrativas independentes), nomeadamente no artigo 6º, número um: «só podem ser criadas para a prossecução de atribuições de regulação de atividades económicas que recomendem, face à necessidade de independência no seu desenvolvimento, a não submissão à direção do Governo». Assim sendo, o número dois abrange um conjunto de situações onde a criação destas entidades não seria admissível.
   Reitero que o artigo 267º da CRP apenas possibilita a criação de entidades administrativas independentes - «(…) pode criar (..)» - não impõe.


d) desenvolvimento de um eventual desvio do princípio da responsabilidade governamental pela Administração Pública – entendimentos doutrinais.

   Consubstanciará, a associação dos artigos 182º e 267º da CRP, um desvio ao princípio constitucional da responsabilidade governamental pela Administração Pública?
   No entendimento de MAÇÃS e MOREIRA, o preceito vem «legitima[r] apenas compressões ao referido princípio [da responsabilidade governamental] na medida do estritamente necessário à independência que (…) necessitam para o desempenho da sua missão».
  
Por sua vez, FREITAS DO AMARAL insiste na possibilidade de criação das entidades administrativas independentes, conferida pelo artigo 267º/3 da CRP, e não na obrigatoriedade da mesma. Afirma que «sem esta disposição, não seria possível ao legislador excluir determinadas pessoas coletivas públicas simultaneamente dos poderes governamentais de direção, superintendência e tutela», uma vez que o princípio constitucional em causa «inviabilizaria a criação de instituições públicas paralelas às controladas pelo Governo e pelas quais ninguém responderia».
   Por fim, JOSÉ LUCAS CARDOSO, recorre à «unidade da Constituição, do efeito integrador e da concordância prática» para admitir a necessidade de uma razão material para a criação destas entidades com o objetivo de se dispor de o ‘’melhor meio’’ para atingir um fim – remete-se, aqui, para as funções das entidades administrativas independentes acima referidas.


III.              CONCLUSÃO

e) posição adotada e fundamentada

   Expondo a minha opinião acerca da discussão envolvida entre os dois artigos constitucionais analisados, sigo essencialmente a linha de pensamento de MAÇÃS e MOREIRA, reforçando a sua posição com o artigo 6º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras – este artigo é tido como um limite à criação destas entidades, pelo que o artigo 267º/3 da CRP nunca entraria em contradição com o consagrado no artigo 182º da CRP, uma vez podem ser criadas (ou não) e apenas em certas situações excecionais e necessárias tendo em conta as áreas sensíveis sociais, portanto nunca se colocaria em causa a posição superior do Governo, dispondo de poderes a serem exercidos sobre a administração.

IV.             BIBLIOGRAFIA E WEBGRAFIA

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo - Volume I, 4ª Edição, ALMEDINA, 2015

Constituição da República Portuguesa Anotada - Volume II - Artigos 108.º a 296.º (Coimbra Editora)

https://www.fd.uc.pt/cedipre/wp-content/uploads/pdfs/co/public_38.pdf

https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17150/1/Tese%20de%20Mestrado%20_Da%20Independ%C3%AAncia%20das%20Autoridades%20Reguladoras%20I.pdf

 

 

Bruna Catarina Jesus dos Santos


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