Autarquias Locais: Diferenças e Semelhanças entre o Direito Português e Direito Brasileiro

    A influencia que Portugal teve sobre o Brasil durante o período colonial se reflete em várias áreas, e uma delas é o direito. A primeira constituição brasileira foi feita por portugueses, já que quando houve a independência, o país continuou a ser governado por portugueses, então, o direito brasileiro nasceu e se desenvolveu com influências fortíssimas portuguesas.  

    O direito brasileiro se espelha até hoje no direito português, e, por mais que o Brasil e Portugal tenham sistemas de governo diferente, o primeiro sendo presidencialismo e o segundo semipresidencialismo, o direito administrativo dos países são, de várias formas, parecidos e comparáveis.

    Das várias partes do complexo sistema de administração de ambos os países, em ambos autarquias locais existem e tem seu próprio regime, com suas semelhanças e diferenças.

    No Brasil, o Decreto 200/1967, que é referência em matéria de organização estrutural da administração pública no Brasil, define como autarquia "[...]serviço autónomo, criado por lei, com personalidade jurídica, património e receitas próprios para executar atividades típicas de administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada". Em base dessa definição, se entende que a autarquia é uma entidade com capacidade de autoadministração e de administração pública indireta.

    É importante distinguir a administração pública direta da indireta para se perceber como a autarquia funciona pela ótica jurídica. A administração pública direta é toda a atividade dos próprios serviços administrativos do Estado, sob direção do Governo. Em Portugal, quem é o órgão superior de administração pública estadual é o governo, segundo o artigo 182º da Constituição Portuguesa. No Brasil, quem é o órgão superior de administração pública é o Presidente da República. A administração indireta do Estado, aonde se encaixa a autarquia, é aquela realizada por conta do Estado, mas por outros entes que não são ele. Ela é uma entidade pública com sua própria personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, que tem sua atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado.

    Em Portugal, as autarquias locais são reguladas pela Constituição e no Título II da Lei nº7ª5/2013, de 12 de Novembro. A partir do artigo 235º da Constituição Portuguesa está regulado os princípios gerais do poder local, e o artigo 235º/2 define as autarquias locais como “[…] pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas”. Aqui, as autarquias também fazem parte da administração pública indireta, e são pessoas coletivas públicas, de base territorial, que asseguram o prosseguimento de interesses próprios da respetiva população, através de órgãos próprios, por este eleito.

    Nessas definições já se consegue desdobrar várias diferenças que o regime português e o regime brasileiro tem em questões desta matéria.

    Em Portugal, a questão territorial é essencial, já que esta faz parte da administração autónoma territorial. Já no Brasil as autarquias fazem parte das administrações autónomas não territoriais. O território nunca foi de extrema importância, nem essencial, para a existência delas.

    Em Portugal os elementos mais essenciais da definição das autarquias locais são os residentes, os interesses comuns destes residentes, ter um órgão representativo e o território. Já no Brasil, os elementos essenciais são ter personalidade jurídica, a autoadministração, a especialização em atividades públicas e ter património próprio.

    Outro aspeto importante de se ressaltar é o facto de, enquanto em Portugal, os órgãos próprios serem normalmente eleitos pela população daquele território, no Brasil, segundo o regime estabelecido por lei, os trabalhos nas autarquias são feitos por equipas de servidores públicos estatutários, por isso, é preciso a realização de concurso público ou uma nomeação do Poder Executivo, Senado Federal ou Assembleia Legislativa. Isso significa que, em Portugal, os membros são escolhidos por eleição e sufrágio universal, as pessoas que estão inseridas nestas autarquias que escolhem, mas já no Brasil, não há nenhuma forma de eleição, apenas teste.

    Existe essa diferença principalmente por causa da falta da natureza territorial das autarquias no Brasil. Por ela não procurar satisfazer os interesses de um grupo específico de um território demarcado, ela não precisa ter membros de uma área demarcada.

    No artigo 236º da Constituição Portuguesa há as classificações das autarquias locais. No continente, elas são as freguesias, como Alcântara e Arroios, os municípios, como Lisboa e Loures, e as regiões administrativas. Nas regiões autónomas, elas são as freguesias e municípios.

    As freguesias estão reguladas nos artigos 244º e seguintes da Constituição da República Portuguesa. Toda freguesia tem uma assembleia de freguesia e uma Junta de freguesia, estas estão reguladas nos artigos 245º e 246º da CRP, na Lei nº75/2013, de 12 de Setembro e na Lei nº169/99 de 18 de Setembro. A assembleia de freguesia é o órgão deliberativo desta, composto por membros eleitos por eleição direta. Já a Junta de freguesia é o órgão executivo colegial desta, cujo os membros oscilam entre dois até seis vogais eleitos por, também, eleição direta. A última possui um presidente.

     O regime dos municípios está regulado nos artigos 249º e seguintes da CRP. Os órgãos representativos destes são a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal, ambos estão regulados nos artigos 250º a 252º da CRP e Regime Jurídico das Autarquias Locais constante no Anexo I À Lei nº75/2013, de 12 de Setembro. A assembleia municipal é o órgão deliberativo do município e tem seus membros leitos por eleição direta. Já a Câmara Municipal é o órgão colegial representativo desta com funções executivas, também é eleito por eleição e este possui presidente. Estes órgãos só podem deliberar no âmbito da sua competência e para a realização das atribuições legalmente conferidas.

     Agora, no Brasil, as classificações são bem diferentes, principalmente por não haver apenas uma forma de se classificar as autarquias, mas sim duas. A jurisprudência a entende como gênero, enquanto a doutrina dominante a classifica de outra maneira. Bem diferente de Portugal, que possui uma única classificação sobre a matéria.

    Segundo a doutora brasileira Maria Sylvia Di Pietro, referência no Brasil em relação a área de direito administrativo, no seu livro Direito Administrativo, explica que existem três critérios para se classificar uma autarquia: capacidade administrativa, estrutura e nível federativo.

     Há duas formas de capacidade administrativa: a capacidade administrativa geográfica e a capacidade administrativa de serviço. A primeira possui capacidade genérica, são os territórios federais, já a segunda possui capacidade específica, e se limita a determinado serviço eu lhe foi atribuído por lei.

     A classificação de estrutura se subdivide em duas: fundacionais e corporativas. As fundacionais são as fundações de direito público dotadas de património ligado à um fim que beneficiará pessoas indeterminadas. Um exemplo disso são os hospitais universitários. Já as autarquias corporativas são formuladas por sujeitos unidos para o alcance de um fim de interesse público, entretanto só diz respeito aos associados, como o Conselho Federal de Administração.

     Por fim, em relação ao nível federativo, estes podem ser federais, estaduais, distritais e municipais, uma vez instituídas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, nessa ordem.

     Já, a classificação da jurisprudência é diferente, ela classifica-as em gênero, com as espécies seguintes: autarquia comum ou ordinária, autarquia em regime especial, autarquia fundacional e autarquia associativa.

     A autarquia comum ou ordinária é a qual se encaixa perfeitamente ao regime do DL 200/1967. Um exemplo dessa autarquia é o Instituto Nacional do Seguro Social, popularmente conhecido como INSS.

     A autarquia em regime especial é aquela que a lei conferiu prerrogativas específicas, não aplicáveis às autarquias em geral. Um exemplo são as Universidades Federais e o Banco Central do Brasil.

     A autarquia funcional é a fundação pública instituída por lei específica, com personalidade jurídica de direito público. Um exemplo é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, conhecido como IBGE.

     Por fim, a autarquia associativa é a pessoa jurídica autónoma de direito público que integra a administração indireta de todos os entes da federação, tendo por objetivo medidas mútuas entre entidades federativas. Um exemplo desse tipo de autarquia seria a criação de uma entidade a partir de um consórcio público entre o Estado, estado de São Paulo e o município de Jundiaí para a construção de um museu.

     As classificações são muito diferentes, porém, em ambos os países, por mais que exista diferentes classificações, não há um hierarquia entre elas, mas os motivos de não haver são diferentes. Em Portugal, o motivo de não existir essa relação hierárquica é por que elas são estruturas territorialmente sobrepostas independentes, já no Brasil, também é por que são independentes, porém independentes e sem nenhuma relação entre uma e a outra, elas existem por motivos completamente distintos. Entretanto, em Portugal há uma hierarquia entre as normas, a Constituição Portuguesa, no artigo 241º, que há uma hierarquia entre os regulamentos emanados pelas várias autarquias locais, no Brasil não existe nenhum tipo de regulamento ou norma como esta.

     Em conclusão, por mais que o Brasil tenha tido seu direito muito baseado e inspirado no direito português, e por mais que haja muitas semelhanças entre eles, no direito administrativo pode-se ver que houve uma bifurcação no caminho, principalmente no aspeto das normas, e até mesmo da definição, das autarquias locais. Ao analisar de perto o regime de cada Estado, vê-se que há mais diferenças a semelhanças entre elas.

Bibliografia:

BRASIL. Palácio do Planalto. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Di Pietro, M. S. Z. (2014). Direito Administrativo. (28ª edição). São Paulo: Editora Atlas.

Paludo, Augustinho. (2013) Administração pública. (3ª edição). Rio de Janeiro: Elsevier

Oliveira, F. P., & Dias, J. E. (2016). Noções Fundamentais de Direito Administrativo (4ª edição). Almedina.

Do Amaral, D. F. (2018) Curso de Direito Administrativo, volume I, (4ª Edição) (Reimp.), Almedina, Coimbra, 2018.

Aula: Beatriz Berganton n°61707


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