Universidades Públicas: Diferenças doutrinárias em Portugal

    As universidades públicas são uma das garantias que a Constituição Portuguesa dá à população portuguesa, ela está consagrada no artigo 76º da CRP, o qual fala que o regime de acesso ao ensino superior garante a igualdade de oportunidade e a democratização do ensino.

Em relação as universidades públicas existem várias posições doutrinárias em relação a sua natureza jurídica. Há autores que afirmam que elas fazem parte da administração autónoma, e há outros que afirmem que estas fazem parte da administração indireta.

Para conseguir chegar à uma conclusão em relação a qual parte de administração fazem parte as universidades públicas é importante recordar o que é a administração autónoma e o que é administração indireta.

Em primeiro lugar, a administração indireta é aquela em que será realizada por conta do Estado, mas por entes que não são o Estado. Será desenvolvida uma atividade administrativa que desenvolve fins do Estado, mas está será exercida por outras pessoas coletivas distintas do próprio Estado. Pode-se dizer que a administração indireta do Estado é o conjunto de entidades públicas, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, que desenvolvem uma atividade administrativa destinada à realização dos bens do Estado. 

  A maior característica dos entes públicos que fazem parte desse tipo de administração é eles não prosseguirem seus próprios interesses, mas sim os interesses do Estado, nunca interesses próprios. Isto é importante de se destacar, por que essa falta de autonomia e vontade de escolha própria é o que faz a administração indireta ainda ser uma administração estadual, já que seus deveres, sua existência, sua criação, orientação e até extinção é toda regida por apenas o Estado. Porém, mesmo sendo administrada e comandada pelo Estado, elas atuam através de órgãos próprios, e mesmo atuando no interesse dele, estas entidades atuam em seu próprio nome.

Já a administração autónoma prossegue fins próprios, fins que não são do Estado, mas sim cuida de interesses específicos de uma certa comunidade. Ela é uma forma de autoadministração de formações sociais infra estaduais, organizadas segundo princípios eletivos e representativos.

As características mais importantes das entidades que pertencem a essa forma de administração é a prossecução de interesses próprios, a representatividade dos órgãos e a autoadministração, ela mesma define a sua própria orientação político-administrativa sem dependência de instrução do Estado.

O professor, autor e político Vital Moreira define a administração autónoma como a administração de interesses públicos próprios de certas coletividades ou agrupamentos infra estaduais, por meio de corporações de direito público ou de outras formas de organização representativa, dotada de poderes administrativos que exercem sob responsabilidade própria, sem sujeição a um poder de direção ou de superintendência do Estado (através do Governo) nem a formas de tutela de mérito.

A partir da definição do professor pode-se decorrer os elementos constitutivos da administração autónoma. O primeiro lugar, ela é a administração dos assuntos de certa coletividade por ela mesma. Ela supõe que há um agrupamento infraestrutural através de um arranjo institucional, em funções administrativas em relação aos seus membros. Outro elemento que faz parte da administração autónoma é o andamento de interesses específicos dessa coletividade infraestrutural. Além desse, há também o elemento de “autogoverno”, isso significa que é uma administração pelos próprios administrados. Por fim, e não menos importante é o facto de os órgãos terem autonomia em face ao Estado, eles mesmo estabelecem suas atividades.

Cada administração tem sua própria definição, bem distinta uma da outra, mas ainda sim há uma divergência na doutrina em relação a qual das duas as universidades pertencem.

Segundo o Professor Freitas do Amaral, as universidades, ao longo do tempo, vêm a se transformar em institutos públicos. Ele as classifica como uma modalidade de institutos estaduais, mais especificamente como estabelecimento público. Estes são institutos públicos de caráter cultural ou social, cujos serviços são organizados para serem abertos ao público, destinados a efetuar prestações individuais aos cidadãos que a necessitarem. Ele justifica essa posição dizendo que as universidades têm caráter cultural, são abertos ao público, mesmo que haja necessidade de passar no exame nacional, já que qualquer um pode fazer o exame e passar, e se destinam a ensinar os alunos. O regime jurídico das Instituições de Ensino Superior, Lei nº62/2007 de 100 de Dezembro, dá força a posição do professor quando determina que é aplicável às instituições do ensino superior o regime das demais pessoas coletivas públicas de natureza administrativa, assim como a Lei-Quadros dos Institutos Públicos, Lei nº3/2004, de 15 de Janeiro, que é aplicada de forma subsidiária.

O professor Caupers concorda que as universidades são institutos públicos, mais especificamente são institutos, na visão dele, de prestação, já que a atividade consiste na prestação de serviços à coletividade. 

Já segundo o Professor Vasco Pereira da Silva considera as universidades como parte da administração autónoma, já que estas seguem suas próprias atribuições, distintas das atribuições dos Estado. É por esse exato motivo que o professor não considera ser possível considerá-la como parte da administração indireta, já que ela é o oposto da definição desta. Dentro das universidades existe uma auto-organização, da qual surgem regras e normas, estas não emanam do Estado, até por que universidades diferentes têm regras diferentes. 

Ainda segundo o professor, as universidades são entidades que fazem parte da Administração local, são entidades que prosseguem atribuições próprias de maneira própria, por meio de órgãos eleitos por eles mesmos, como as associações.

Segundo o Professor, e atual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, as universidades são pessoas coletivas públicas. Elas têm, em primeiro lugar, uma natureza associativa, pelo predomínio do elemento pessoal de sua essência. Entretanto, o professor não as considera como associações públicas, considerando o menor peso dos respetivos interesses próprios sobre os interesses transferidos pelo Estado. O professor também as considera como parte da administração autónoma. 

Essa visão das universidades permite que haja o cumprimento da Constituição Portuguesa, já que, no artigo 76º/2, ela consagra a “autonomia estatutária, científica, administrativa e financeira das universidades públicas. 

O Professor Pereira Coutinho, que aponta uma natureza dualista das universidades, em que um corresponde a um serviço público estadual e a outra a um substrato associativo. 

Os dois elementos da natureza dualista das universidades têm dois momentos diferentes. O primeiro momento estabelece a criação e manutenção de um serviço público por meio do Estado, qual pode compor um estabelecimento público ou uma fundação pública com regime de direito privado. O segundo momento tem relação a formação de uma associação pública, por meio da solidificação da liberdade académica dos docentes e estudantes. Neste segundo momento se exprime a lógica constitucional concretizadora das liberdades académicas.

Assim, o que justificará a administração autónoma universitária é a titularidade individual de liberdades académicas, da qual nasce as associações públicas funcionais de direitos fundamentais. Uma das vocações deste tipo de associação é garantir aos membros da universidade um certo nível de participação em relação às decisões que as afetam.

Portanto, após expor várias doutrinas, é possível ver que não há uma homogeneidade em relação a natureza jurídica das universidades. Uma parte da doutrina, como o Professor Freitas do Amaral, que considera que as universidades fazem parte da administração indireta, o que significa que as atribuições prosseguidas por estas são fins próprios do Estado. A outra parte da doutrina, como o Professor Vasco Pereira da Silva, o Professor Marcelo Rabelo de Souza e o Professor Pereira Coutinho consideram e enquadram as universidades como administração autónoma, uma vez que estas seguem fins próprios.

    Creio que, por mais que o Professor Freitas do Amaral seja um renomeado autor e intelectual, não faz sentido dizer que as universidades públicas fazem parte da administração indireta. Vejo que a posição doutrinária do Professor Vasco Pereira da Silva faça mais sentido em relação ao nosso sistema jurídico, já que, por mais que as universidades sejam feitas pelo próprio Estado, elas são autónomas dele. Um exemplo dessa autonomia é existirem faculdades contra o governo que fazem protestos contra ele, e organizam greves, sendo que uma das características da autonomia indireta são estas sempre seguirem apenas os interesses do Estado, não da entidade. Além do mais, quem administra a universidade é ela mesma, além de muitas partes dela serem administradas pelas associações e órgãos académicos eleitos pelos próprios alunos, quem podem ter ideias e projetos completamente diferentes que o governo implementaria.  Uma das características da administração autónoma é exatamente isso, a autoadministração, logo não faz sentido encaixar as universidades em qualquer outra forma de administração fora a autónoma.

Bibliografia:

Oliveira, F. P., & Dias, J. E. (2016). Noções Fundamentais de Direito Administrativo (4ª edição). Almedina.

Do Amaral, D. F. (2018) Curso de Direito Administrativo, volume I, (4ª Edição) (Reimp.), Almedina, Coimbra, 2018.

De Souza, M. R., & De Matos, A. S. (n.d.). Direito Administrativo Geral Introduções Princípios Gerais Tomo I. Lisboa: Dom Quixote.

Caupers, J. (2009). Introdução ao Direito Administrativo (10ª ed.). Lisboa: Âncora.

Aluna: Beatriz Berganton nº61707

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