Comentário ao recurso sobre o Acórdão 00273/06.5BEMDL, de 03-11-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela

 

Comentário ao recurso sobre o Acórdão 00273/06.5BEMDL, de 03-11-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela

 

Assumindo o recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, efetuado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo 00273/06.5BEMDL, como elemento de análise em função do princípio da imparcialidade, presente nos art. 9º, do Código de Procedimento Administrativo, e 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, chegou-se às seguintes conclusões.

Em primeiro lugar, embora não houvesse familiares ou qualquer pessoa pertencente ao Júri que se possa relacionar com qualquer um dos candidatos, é manifesta e evidente a violação do princípio em causa, já que, após a receção de todas as candidaturas e no último dia do concurso, o Júri veio a alterar os critérios conformadores da decisão, reformulando as pontuações atribuídas a cada requisito imposto às candidaturas. Como referido no acórdão em questão, não se trata de uma simples clarificação dos critérios inicialmente estabelecidos, mas de uma reforma total dos fatores relevantes para o concurso apreciado.

Ora, esta ação é passível de se classificar como violadora do princípio da imparcialidade, na medida em que, passo a citar o acórdão em questão, “(…) a divulgação atempada dos critérios para a selecção e ordenação dos candidatos assegura o princípio constitucional (…)”. Sendo este um dos princípios fundamentais do direito administrativo, estes pelos quais a Administração Pública deve reger a sua atividade e respeitar a todo o tempo, afigura-se-nos mais do que presumível que o princípio em questão foi desrespeitado e que a decisão na primeira instância está incorreta, uma vez que há a possibilidade dos elementos do Júri já terem acesso às identidades dos concorrentes na data de alteração dos critérios, levando então à maximização do perigo de atuação parcial da Administração.

Nesta questão, seguindo a lógica do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/12/2004, no processo nº0594/04, defende-se a anulação do concurso, já que o risco de lesão ou perigo de parcialidade são fundamento suficiente para tal, mesmo que se desconheça a efetiva violação dos interesses de algum dos concorrentes.

Em segundo lugar, não havendo a garantia de isenção e de imparcialidade na atuação da Administração, torna-se provável a violação do princípio da igualdade, este presente no art. 6º, do Código de Procedimento Administrativo, já que, através da reformulação dos critérios do concurso, possam surgir favoritismos ou privilégios para dado concorrente. Havendo tal possibilidade, a transparência do concurso encontra-se em risco, esta que é, por um lado, um corolário do princípio da imparcialidade e, por outro, uma garantia preventiva do mesmo princípio.

 

Sendo assim, proporciona-se a atuação discriminatória, esta que é afetada de ilegalidade profunda, devido à sua inadmissibilidade no campo da atuação da Administração Pública em qualquer uma das suas esferas. A possibilidade de atuação discriminatória, neste caso, resulta da violação tanto do princípio da pré-determinação dos critérios da avaliação, como do princípio da estabilidade das regras do concurso. Portanto, defende-se que o princípio da igualdade é igualmente violado, na medida em que, tendo o Júri procedido à alteração dos critérios no último dia de apresentação de candidaturas, concedeu margem à submissão de candidaturas que cumprissem estes novos critérios, desfavorecendo os concorrentes que as entregaram antes da alteração em causa.

Seguidamente, o presente recurso vem alterar a decisão da primeira instância apenas no ponto em que estabelece que a candidatura da Autora deveria ser apreciada com critérios diferentes dos aplicados aos restantes concorrentes. Ora, o cumprimento desta decisão implicaria uma nova violação do princípio da igualdade, daí o recurso proceder à sua alteração. Sendo assim, o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu que todo o procedimento é inválido a partir do momento em que houve a retificação dos critérios, ou seja, o resultado do concurso será determinado conforme os critérios estabelecidos originalmente e estes serão aplicados a todos e não só à Autora.

Concluindo, a violação do princípio da imparcialidade constitui fundamento suficiente para se invalidar todo um processo complexo, tal como este concurso, já que abrange vários outros princípios, como o da isenção, da transparência e da igualdade, referidos ao longo deste comentário. Face ao recurso, a posição defendida é de total concordância com o estabelecido, uma vez que evita uma nova violação do princípio da igualdade, na medida em que revoga a restrição dos efeitos da declaração das ilegalidades do concurso à Autora, anula o procedimento administrativo do concurso a partir da retificação dos critérios conformadores do resultado e, para tal, condena o Réu a reconstituir o concurso sem as ilegalidades, procedendo, desta vez, conforme os critérios originais. Adicionalmente, condenou-se o Réu a pagar metade das custas do recurso.

 

BIBLIOGRAFIA

 

-MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo Geral», D. Quixote, Lisboa - tomo I, «Introdução e Princípios Fundamentais», 3.ª edição, Dom Quixote, 2004, pp. 209 e ss.

 -MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, «Direito Administrativo», Volume I, Almedina, pp. 331 e ss.

 

 Bernardo Marquez de Vasconcelos, Subturma 12, n.º 62928

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