Discricionariedade e vinculatividade
Discricionariedade e
vinculatividade
I. Ligação ao princípio da legalidade; II.
Construções destes conceitos; III. Posição do professor Vasco Pereira da Silva;
IV. Conclusão; V. Bibliografia
I.
Ligação ao princípio da legalidade
Os
conceitos de discricionariedade e vinculatividade surgem estreitamente ligados às
várias tentativas de entendimento do Princípio da Legalidade, princípio
basilar do próprio Direito Administrativo.
O
princípio da legalidade desde a sua génese no Estado Liberal, séc. XIX, em que
era entendido na sua dimensão formal, como sendo a subordinação da
Administração Pública à Lei, a lei parlamentar que regulava unicamente a
segurança de liberdade e de propriedade, até aos dias de hoje, em que é
entendido já na sua dimensão material, exprimindo a ideia
de juridicidade, a ideia de subordinação da Administração à Lei e ao
Direito, ajuda a entender a relação entre o conceito de discricionariedade e o
conceito de vinculatividade, e como se estabelece a mesma.
Ao longo
dos anos, desde o tempo da infância difícil do Direito Administrativo,
caracterizada pelos já conhecidos traumas de infância, foram vários os autores
que se debateram acerca da distinção entre estes dois conceitos, tendo surgido
as mais variadas teses, desde as construções mais tradicionalistas às
construções mais modernas.
II.
Construções destes conceitos
O
professor Marcello Caetano defendeu uma construção tradicional,
que atenta para o ato administrativo e o qualifica como vinculativo ou
discricionário em função da existência ou não da liberdade do ato. Esta
construção entende que o poder discricionário é um poder que esta à margem da
lei, à margem do princípio da legalidade, o que implica que ele não pode ser
jurisdicionalmente controlado. O ato é discricionário se for da exclusiva
responsabilidade da Administração e não puder ser controlado pelo Tribunal e é
vinculado se puder ser controlado pelos Tribunais. Ligada a esta
construção tradicional surge a construção do professor Freitas do
Amaral, que entende que não se pode falar em atos discricionários ou atos
vinculativos, como faz a construção tradicional, uma vez que o ato
administrativo tanto pode ter aspetos de natureza discricionária como como pode
ter aspetos de natureza vinculativa. Segundo esta visão a distinção entre estes
dois conceitos deve atentar não ao ato, mas sim aos poderes que estão a ser
exercidos. Assim teremos atos que têm poderes que correspondem ao exercício de
poderes vinculados e ao exercício de poderes discricionários. Estamos perante
poderes vinculados quando o Tribunal pode controlar os aspetos vinculados do
exercício, isto é, quando o ato administrativo é suscetível de controlo e
apreciação jurisdicional, e perante poderes discricionários quando o ato
administrativo não está submetido ao controlo e apreciação jurisdicional, não
podendo os Tribunais interferir no seu domínio. O professor Freitas do Amaral
ressalva que a partida um ato pode ter tanto poder discricionário como poder
vinculativo.
Ora, nos
anos 80, surge uma outra construção, pelo professor Sérvulo Correia,
inspirada na doutrina alemã. Esta construção diz que para se fazer a distinção
entre a discricionariedade e a vinculatividade deve-se observar que existem
duas espécies de discricionariedade. Uma que se verifica no momento da
apreciação, a margem da "livre" apreciação, e outra que
se verifica no próprio momento da decisão, a margem de
"livre" decisão. Isto significa que no momento da apreciação a
Administração goza de "liberdade" para apreciar os vários factos e
situações de acordo com a circunstância, dentro dos limites legais, e no
momento de decisão a administração goza de discricionariedade na medida em que
existindo duas ou mais escolhas possíveis ela pode escolher a que bem entender.
Ou seja,
enquanto a discricionariedade passa pela liberdade da Administração, a
vinculatividade passa pela subordinação da Administração à lei e ao
controlo por parte dos Tribunais;
III.
Posição do professor Vasco Pereira da Silva
Já o professor
Vasco Pereira da Silva defende uma construção que diz que cada poder
administrativo que está a ser exercido tem tanto aspetos vinculados como
aspetos discricionários, sendo que estes podem manifestar-se em três
momentos: a) no momento da interpretação, que ocorre quando a
Administração faz escolhas pelas quais é responsável, escolhas estas que
implicam responsabilidade, porque são limitadas pelo ordenamento
jurídico; b) no momento de apreciação, em que a Administração aprecia as
circunstâncias de facto e a valora no quadra da aplicação da lei; c) no momento
da decisão, em que a Administração vai tomar a decisão final acerca da
realidade que está em jogo, atendendo ao caso em concreto.
Apesar de
existirem quatro construções relativas à distinção entre a vinculatividade e a
discricionariedade, atualmente nem todas podem ser aplicadas. Segundo o
professor Vasco Pereira da Silva, da primeira construção até a terceira
encontramos aspetos negativos que de certa forma podem ser considerados
impedimentos a aplicação destas nos dias de hoje.
No que
toca à construção tradicional atualmente não faz sentido aplicá-la pois ela
padece dos vícios da "infância" traumática e difícil do Direito
administrativo, marcada pelo liberalismo e pelo modo liberal de entender a separação
de poderes e o principio da legalidade. Ela partia da confusão entre a vontade
dos órgãos públicos e a vontade dos sujeitos privados, e entendia que a
Administração era uma entidade que possuía vontade e liberdade de escolha, no
entanto a Administração não tem uma vontade própria, a vontade dela é legal, é
construída por lei e ela nunca pode contrariar as opções do ordenamento
jurídico, logo, nunca poderá ser livre.
A segunda
construção embora já permitisse fazer um controlo mais amplo da atuação da
Administração e fazer a distinção entre os poderes e não os atos, ela
continuava a colocar problemas do ponto de vista do Estado de Direito e do
controlo integral da atuação administrativo, pois tal como a construção
anterior ela continuava a caracterizar o poder discricionário como um poder
livre, no entanto já sabemos que todos os aspetos do poder, sejam eles
discricionários ou vinculados, são suscetíveis de controlo jurisdicional. Ainda
que hoje em dia o professor Freitas do Amaral tenha mudado o seu entedimento
acerca da liberdade do poder discricionário, entendendo que o poder é
discricionário quando o seu exercício fique entregue ao critério do respetivo
titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso concreto
ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere,
ela continua a não ser a melhor construção.
Ora a
terceira construção, para além de colocar problemas quanto ao uso da expressão
"livre", pois do exposto anteriormente resulta que a Administração
não é livre, coloca também problemas quanto ao facto da construção entender que
existem duas espécies de discricionariedade, quando na prática tal não parece
ser o mais correto, porque os níveis de discricionariedade entre a duas margens
não parecem apresentar diferenças e a escolha da Administração em ambos os
momentos encontra-se limitada pelos mesmos critérios, logo não faz sentido
falar-se em dois tipos distintos de discricionariedade. E também não parece
correto aplicar esta construção porque ela desconsidera o momento da
interpretação da norma, que deve ser a primeira ação a ser realizada antes da
tomada de decisão.
IV.
Conclusão
Ora
definidos os conceitos de discricionariedade e vinculatividade através das
várias construções considero que a que melhor se adequa nos dias de hoje será a
quarta construção, do professor Vasco Pereira da Silva , uma vez que vai de
encontro ao novo entendimento material, de juridicidade, do princípio da
legalidade, que ao expressar a subordinação da Administração à Lei e ao
Direito, vem limitar os aspetos discricionários da Administração, na medida em
que fornece elementos vinculativos de ordem da competência, do fim e de
vinculações autónomas, isto é, vinculações que podem constar da lei ou de
princípios, tanto administrativos como constitucionais, sem que com isso deixe
de existir a discricionariedade, pois ainda que a lei quisesse ela não consegue
prever e regular todas as coisas, pois a realidade é mutável, e cabe à
Administração com a sua margem discricionária preencher estes vazios. Para além
disto, esta construção expressa o método mais eficiente que deve ser utilizado
no momento de aplicação da lei, que vai desde a interpretação, à apreciação até
a decisão.
V. Bibliografia
Vasco
Pereira da Silva, Curso de Direito Administrativo II, aulas teóricas.
Diogo
Freitas do Amaral, Cursos de Direito Administrativo, vol.II, 3.ª
Edicão, Coimbra, Almedina, 2016.
Marcello
Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10.ª Edição,
Almedina, Coimbra,2008.
Gabriela
Camões
Subturma
12
Nº62867
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