Análise do Acórdão nº 19/06.8BEBJA, do Tribunal Central Administrativo Sul
Análise do Acórdão nº
19/06.8BEBJA, do Tribunal Central Administrativo Sul
Tomando como objeto de apreciação o
acórdão 19/06.8BEBJA, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul,
chegou-se às seguintes conclusões.
O acórdão em apreço versa sobre um
recurso interposto pela Estradas de Portugal, EPE, referente a uma decisão
proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no âmbito da
responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas
públicas. Ora, o regime jurídico em vigor à data do acidente correspondia ao
disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, uma vez que o regime jurídico atualmente
vigente, a Lei nº 67/2007, só entrou em vigor no fim do ano de 2007,
regulando-se o acidente que deu origem a este caso, ocorrido no ano de 2005,
pelo DL nº 48051.
Não obstante ao referido no ponto
anterior e tal como o acórdão em análise dispõe, “A responsabilidade civil por
actos de gestão pública corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de
responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e que tem
consagração legal no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil.”. Por conseguinte,
note-se que os critérios e pressupostos da responsabilidade civil do Estado e
demais entidades públicas são idênticos aos aplicáveis aos particulares,
assegurando uma efetiva proteção dos direitos e interesses legalmente
protegidos destes, de forma a garantir os meios necessários à defesa e proteção
da sua esfera jurídica. Tal se impõe pelos arts. 266º, 1, CRP, e 4º, CPA, que
espelham o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares, de forma a limitar o alcance e o âmbito do poder
administrativo
Na primeira instância, ficou
provada a falta de diligência das Brigadas de fiscalização da EP, esta que foi apreciada
pelo art. 487º, nº 2, do Código Civil, tal como dispõe o art. 4º, nº1, do DL
n.º 48.051. Neste ponto, a decisão não se alteraria se a culpa fosse apreciada
com base no dispositivo do art. 10º, nº1, do atual regime da responsabilidade
civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, uma vez que,
embora não remetendo para o art. 487º, nº2, do Código Civil, o preceito em
questão espelha o critério do bonus pater familias, concretizando-o na
“diligência e aptidão que seja razoável exigir”. Sendo assim, tem-se como
assente a verificação deste pressuposto da responsabilidade civil.
Em conformidade com o referido no
ponto 3, havendo culpa, há ilicitude, uma vez que, neste caso concreto, a
negligência da EP resulta na violação de uma norma legal e de um direito real,
o direito de propriedade. Ora, quanto à norma violada, esta encontra-se
consagrada nos arts. 8.º. n.º 2, do Decreto-Lei nº 239/2004, de 21-12 e 10.º,
n.º 1, do Decreto-Lei nº do 374/2007, de 07-11; cf. também arts. 4.º, n.º 1,
quer do Decreto-Lei nº 239/2004, de 21-12, quer do Decreto-Lei nº do 374/2007,
de 07-11, referindo-se à competência a cargo das EP para conservar a rede
rodoviária nacional e “zelar pela manutenção permanente de condições de
infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que
permitam a livre e segura circulação”. Adicionalmente, a verificação do
pressuposto não se mostraria ameaçada se fosse aplicado o art. 9º do regime
vigente na atualidade.
Do apontado nos últimos 2 pontos,
pode-se concluir que, tanto o facto, como o dano, são relacionáveis com a
ilicitude e a falta de diligência das Brigadas da EP, uma vez que, na
perspetiva da teoria da causalidade adequada, invocada no acórdão apreciado, se
as Brigadas da EP tivessem fiscalizado as vedações com mais minúcia, algo que
se revela altamente improvável, já que as 3 equipas conjuntamente têm 700km de
estradas atribuídos para fiscalizar, o javali provavelmente não teria
conseguido introduzir-se no perímetro rodoviário, sendo impedido pela rede,
esta que não padeceria de qualquer debilidade.
Do referido nos pontos anteriores,
encontra-se acertada a decisão de imputar à EP “os danos provocados por
quaisquer animais que apareçam na estrada, causando acidentes, presumindo-se a sua
culpa (isto é, presumindo-se a culpa in vigilando).”, uma vez que, através do
art. 493º, nº1, do Código Civil, esta estava encarregada da vigilância dos
animais afiguráveis como capazes de se introduzir nas estradas por ela
fiscalizadas. Ora, como resulta do artigo indicado, a presunção é ilidível. No
entanto, e mais uma vez acertadamente, o tribunal não reconheceu força
suficiente aos relatórios de fiscalização para ilidir a presunção do
incumprimento dos deveres de fiscalização, assentando sobre a parte final do
art. 493º, nº1, CC.
Por fim, a confirmação da decisão
recorrida acha-se correta, não obstante a imprecisão de que padece a matéria de
facto que sustenta o caso. Embora insuficientemente precisa e, em certos
aspetos, contraditória, mostrou-se bastante para condenar a EP à indemnização
devida ao lesado.
Após a apreciação do acórdão
confirmador da decisão recorrida, cabe apontar que, em primeiro lugar, o regime
jurídico vigente na altura do acidente, o DL nº 48051, é de uma simplicidade
extrema e quase imprudente, já que os seus 9 artigos, ou remetem para preceitos
não diretamente aplicáveis ao Estado e demais entidades públicas lesantes por
se destinarem ao tráfego normal da vida particular, ou estabelecem as regras a
seguir de forma algo imprecisa e dúbia, tendo como exemplo mais grave o art.
9º, nº1, este que pode ser facilmente interpretado como um livre passe à
concessão de indemnizações. Adicionalmente, é de louvar a transformação que a
Lei nº 67/2007 produziu, na medida em que concretizou, desenvolveu e clarificou
todo o âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais
entidades públicas. Para além de contribuir valiosamente para a segurança
jurídica, mostrou-se e mostra-se impreterível para a conciliação entre as
exigências do interesse público e as garantias dos particulares, sejam elas
direitos subjetivos, tal como se verificou no caso apreciado, ou interesses
legalmente protegidos, tal como manda a dualidade clássica.
Bernardo Marquez de
Vasconcelos,
Aluno nº 62928
BIBLIOGRAFIA
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II,
4ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2018
VÁRIOS, O regime de responsabilidade civil extracontratual do estado e demais
entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência, 1ª edição, AAFDL
Editora, Lisboa, 2018
MEDEIROS, Rui, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do
Estado e Demais Entidades Públicas, Universidade Católica, Lisboa, 2013
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