Análise do Processo nº 04979/00, do Tribunal Central Administrativo Sul
Análise do Processo nº 04979/00,
do Tribunal Central Administrativo Sul
Tomando como objeto de apreciação o
processo nº 04979/00, julgado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, este
que constitui recurso contencioso de anulação de um ato de indeferimento proferido
pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, no
âmbito de um concurso interno de acesso limitado a um cargo de Técnico
Profissional Especialista, do quadro de pessoal do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras, surgiram as seguintes questões.
Primeiramente, verificando-se que a
recorrente alega possuir mais habilitações académicas, mais tempo de serviço na
carreira e no serviço, melhores classificações de serviço e maior experiência
profissional do que a concorrente que ficou em primeiro lugar no concurso em
causa, como se afigura possível ter aquela ficado em segundo lugar? De seguida
e atendendo à primeira questão, haverá violação dos princípios constantes do nº
2 do artigo 266º, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, dos
princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade? Por último e sob pena
de afetar o cumprimento do princípio da imparcialidade, haverá algum obstáculo ao
estabelecimento do sistema de classificação e critérios de valoração e
ponderação em momento posterior ao conhecimento dos currículos dos concorrentes
por parte dos avaliadores?
Relativamente à última questão, uma
vez que a resposta à primeira se afigura mais oportuna após a análise dos dois
últimos pontos, cabem algumas considerações preliminares. Em primeiro lugar, o
concurso foi aberto, por despacho do Diretor do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiros, de agora em diante referido como SEF, a 25 de Novembro de 1999. Em
segundo lugar, os critérios de avaliação dos currículos dos concorrentes foram discutidos
a 17 de Janeiro de 2000. Ora, tal como resulta do art. 5º, nº 2, alínea b), do
Decreto-lei nº 204/98, o momento de abertura do concurso tem de coincidir com a
fixação dos critérios de classificação e demais elementos avaliadores. Não
coincidindo as duas datas ou verificando-se que a definição dos métodos de
seleção, os fatores de ponderação e os critérios de ponderação a utilizar na
escolha dos candidatos foi executada em momento ulterior ao conhecimento dos
currículos e, consequentemente, da identidade dos concorrentes pelos
avaliadores, estaremos perante um ato ilegal, havendo de facto obstáculo a um
procedimento nestes termos.
Quanto à segunda questão e tendo em
atenção o exposto acima, acredita-se que os princípios da imparcialidade e da
igualdade, constantes do art. 266º, nº 2, da CRP, arts. 6º e 9º, do CPA, e 5º,
nº 1, do DL nº 204/98, foram violados. Atendendo primeiramente no que concerne
ao princípio da imparcialidade, neste tipo de procedimentos, o respeito pelo princípio
em causa é inevitável, uma vez que só será possível a validade do concurso se
os critérios de avaliação tiverem sido previamente estabelecidos, em relação ao
conhecimento da identidade e currículos dos candidatos. Embora não se haver
como provado que o desrespeito pelo princípio da imparcialidade, mais
especificamente, da sua vertente negativa, tenha conduzido a uma escolha
parcial, o simples facto de se verificar o desrespeito põe em causa toda a
credibilidade e validade da decisão em apreço. Já quanto ao princípio da
igualdade, este também se encontra em possível violação, uma vez que não é
possível garantir que, se os critérios tivessem sido estabelecidos em tempo
oportuno, os resultados seriam diferentes. Logo, havendo a tal possibilidade de
violação deste princípio, não se pode afirmar que todos os concorrentes tiveram
as mesmas oportunidades e condições, tal como previsto no art. 5º, nº 1, do DL
nº 204/98.
Por fim, respondendo à primeira
pergunta, a nosso ver, é possível que a recorrente ocupe o segundo lugar da
classificação em três situações, mesmo possuindo mais habilitações académicas,
mais tempo de serviço na carreira e no serviço, melhores classificações de
serviço e maior experiência profissional do que a concorrente que ficou em
primeiro lugar. A primeira das situações prende-se com o preceituado nos arts.
19º, nº 1, alínea a), e 20º, do DL 204/98, ou seja, com a realização de prova
de conhecimento como critério de avaliação do candidato, uma vez que é lógico
que se a prestação da candidata em questão for fraca, poderá ser tomada como
fator eliminatório. A segunda das situações seria verificada se a candidata em questão
fosse submetida a exame médico ou psicológico de seleção, como previsto no art.
19º, nº 2, alíneas b) e c), do DL 204/98, verificando-se alguma desordem do
foro psíquico ou impedimento de saúde. Por último e talvez a hipótese mais
improvável das três, seria o mau desempenho na entrevista profissional de
seleção, cfr. art. 19º, nº 2, alínea a), do DL 204/98. Afigura-se como mais
improvável que as restantes situações pela razão de que, tratando-se de um
concurso interno, a candidata já é conhecida do serviço, ou seja, não descurando
o princípio da imparcialidade, se a mesma já se encontra empregada no serviço,
é por se ter verificado anteriormente que é capaz de desempenhar as funções
próprias do SEF.
Concluindo, este comentário vai de
encontro à decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul,
concedendo provimento ao recurso contencioso, uma vez que, em primeiro lugar, o
concurso põe em causa o respeito pelos princípios da imparcialidade e da igualdade,
embora sem consequências provadas e constatadas, e, em segundo lugar, estabelecendo
como obstáculo ao estabelecimento do sistema de classificação e critérios de
valoração e ponderação em momento posterior ao conhecimento dos currículos dos
concorrentes o preceito do art. 5º, nº 2, alínea b), do DL nº 204/98. No
entanto, seria louvável a revisão do preceito referido, uma vez que a
utilização da expressão “atempada” pode ser produtor de dúvidas, não obstante a
aplicação uniforme por parte das instâncias judiciais.
Bernardo Marquez de
Vasconcelos,
Aluno nº 62928
BIBLIOGRAFIA
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II,
4ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2018
MELO RIBEIRO, Maria Teresa, O Princípio da Imparcialidade da
Administração Pública, 1ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 1996
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I, 1ª Edição, Editora
Almedina, Coimbra, 2016
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