Discricionariedade e Vinculação, dos Poderes da Administração Pública


  Tanto a discricionariedade como a vinculação representam diferentes modalidades de prerrogativas de direito oferecidas a administração publica para que essa consiga prosseguir seus determinados fins. Tal qual se refere norma geral do Art. 266 n.1 da CRP, o fim da Administração é a [“…prossecução do fim ou interesse publico, no respeito aos interesses legalmente protegidos dos cidadãos…”]. A norma do número do Art. 266 da Constituição da República Portuguesa tem muito a nos dizer não somente sobre princípios fundamentais da administração publica, como refere sua epigrafe, mas também sobre ambos os poderes, nomeadamente, discricionário e vinculado.

  Nesse sentido e abstraindo um raciocínio interpretativo da norma supracitada, podemos repousar esta análise em dois aspectos principais. Primeiramente, no que diz respeito a prossecução do fim publico como fim da geral da Administração pública, devemos ter por noção que a partir do momento em que estabelecemos que o Estado deve atingir determinado objectivo, este precisará de determinadas prerrogativas para que seja possível chegar ao fim desejado, estas prerrogativas seriam, justamente os poderes administrativos que, sob o diligente uso da Administração publica serão afectados aos mais diferentes fins de interesse publico. Temos, por conseguinte, duas prerrogativas de direito publico ou poderes a serem utilizados pela administração, por meio de seus representantes, sendo estas ofertadas com objetivo de permitir que, por meio de seus representantes, dotados de tais prerrogativas seja possível alcançar os fins preconizados pelo Estado.

  • o   O Poder Discricionário:

  Antes de dar seguimento a uma apreciação das posições doutrinarias que postulam sobre a discricionariedade e suas respectivas definições, como um poder administrativo, vale inferir, prima facie, uma definição mais genérica de discricionariedade, para que se possa efetivamente dar seguimento as mais diversas posições doutrinarias. Como fora visto anteriormente a discricionariedade como uma prerrogativa de um poder seria a faculdade concedida ao agente da administração de optarem, dentre as mais diferentes opções e possibilidades de condutas e desorientações para desenvolver determinada atuação, aquela que se enquadraria melhor, em seu entendimento/apreciação a prossecução do interesse publico. É importante salientar que desta prerrogativa da atuação administrativa não se é subtraído a adequação ao princípio da legalidade, derivado do Art. 3 do CPA e assegurado, constitucionalmente pelo Art.266 da CRP. Portanto, desse entendimento podemos chegar a determinados fatores comuns, primeiramente que a discricionariedade é limitada pela legalidade e necessidade de conformidade da atuação com a ordem jurídica e que o Agente que age fora dos limites de sua discricionariedade, ou seja, contra legem, atua arbitrariamente fora de seus limites. Limites esses que serão densificados na análise do poder vinculativo.    

  Em acordo com o entendimento do professor Diogo FREITAS do AMARAL, não seria correto abstrair da apreciação do ato administrativo, uma conceituação binária e exclusivamente dicotómica que assumiria a existência de atos unicamente discricionários e unicamente vinculativos pois, todo e qualquer ato teria uma margem de um dos dois poderes, a depender predominância e preponderância, no âmbito do ato, de uma maior ou menor de controlo da atuação da administração. Atribuindo assim um entendimento que trazia ao ato administrativo uma ideia de liberdade, posição que foi criticada pelo Professor Vasco PEREIRA da SILVA pois, na posição deste não haveria sentido se falar em liberdade quando se tem por pauta a analise de vontades normativas de realização de um determinado ordenamento jurídico.

  Por outro lado, SÉRVULO CORREIA via duas modalidades na discricionariedade, nomeadamente, a Margem de Livre decisão e de Livre apreciação. Estas dependeriam do momento em que se preconiza a discricionariedade, no âmbito da existência de diferentes possibilidades facultadas à administração e a serem apreciadas, dentro âmbito da margem de escolha, e a luz da apreciação do caso concreto ser escolhido um ou outro modo de atuação. Essa escolha poderia ser no momento da decisão (M. de Livre Decisão) ou antes da decisão final. Tal entendimento fora igualmente criticado pelo Professor Vasco PREIRA da SILVA, por ser demasiado formalista sob o entendimento que tais situações podem ocorrer continuamente e simultaneamente.

  Conclusivamente, dentro do escopo da discricionariedade vale inferir novamente não estamos tratando de conceitos absolutos que aprecem isolados ou separados na realidade casuística da administração, nesse sentido e veremos posteriormente, já no âmbito da vinculação poderemos ter atos que foram tomados com uma discricionariedade parcial mas limitados quanto as outras questões por uma Margem de Livre decisão que limita a realidade discricionária a um escopo de decisões preconcebidas ou determinadas, ou seja, dentro dessa realidade cabe a administração, no âmbito de sua prerrogativa discricionária, escolher qual a que convém mais ao fim publico, in casu, sendo limitado pela legalidade que atua  como poder de vinculação que é controlada pelo poder judiciário, que deve ser acionado, em caso de violação.

  • o   O Poder Vinculado:

  Dessa maneira e seguindo tal entendimento vamos para o segundo aspecto a ser salientado, nesta construção empírica sobre os poderes administrativos, repousada no seio do Art. 266 n.1 de nossa CRP: O segundo aspecto a se salientar aqui deriva da segunda parte desta norma que postula sobre o respeito aos direitos legalmente protegidos dos cidadãos. Estes direitos como quaisquer regulações do âmbito legal funcionam como barreiras que limitam a atuação discricionária da administração. Dessarte a esse entendimento e com base naquilo que fora supracitado, a atuação à margem da legalidade que vincula e limita a discricionariedade conotaria numa atuação arbitraria. Ou seja, todo e qualquer poder vinculado deve ser exercido e conduzido dentro da margem delimitada estritamente na norma jurídica. Diferentemente do que ocorre, nomeadamente no âmbito do poder discricionário é que, no poder vinculado o agente administrativo tem seu ato devida totalmente estabelecido na Lei de maneira a regulamentá-lo e determinar sua decisão, por via do procedimento, excluindo sua possibilidade e sua margem de atuação e/ou escolha.

  Na doutrina de Marcelo REBELO de SOUZA, existiriam dois tipos de normas, sendo uma mais aberta e outra mais fechada onde, na norma fechada teorismos algo mais semelhante ao ato vinculado pois a conduta a ser seguida pela administração estaria determinada, em sua completude pela norma que a vincula, diferentemente da norma aberta ofereceria uma margem de livre decisão para que administração possa postular sobre aspectos de sua conduta de maneira autónoma, sendo regulada no âmbito da Margem de Livre Decisão.

  O Professor Vasco PEREIRA da SILVA vê duas margens de decisão existem em cada poder e entende que a interpretação da Lei (Como um ato igualmente discricionário), no momento inicial também seria fator de responsabilidade da administração, pois a realidade vinculativa da norma interpretada estaria no âmbito de uma realidade recriadora que, per se, já estaria a atuar de maneira discricionária com base em sua limitação vinculativa. Dessa maneira, podemos numa mesma fase identificar e distinguir aspectos dos diferentes poderes que numa mesma realidade, formam uma verdadeira amálgama, que é de igual responsabilidade da administração. Responsabilidade essa que estará sempre na tutela de controlo dos Tribunais, naquilo que diz respeito aos aspectos vinculativos.  


 . Referencias Bibliograficas e Webgráficas 

- AGU — pt-br (www.gov.br) (AGU Explica) –Assessoria de Comunicação Social da Advocaia Geral da União/ Brasil (Ascom)

- AMARAL, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. II

- FILHO, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo – 33ed. – São Paulo (2019) - Editora Atlas

- SILVA, Vasco Pereira da Silva; Curso de Direito Administrativo II, Sumulas e resumos das Aulas Teóricas (Discricionariedade e Vinculação numa receita culinária) 



Victor Gabriel GOMES dos SANTOS 

N.61708

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo

Da relação hierárquica entre superior e subalterno: O paradigma controverso da ordem/instrução ilegal do superior

Conferência Procedimental